De: Irineu Franco Perpetuo
150 anos antes de o dramaturgo britânico Peter Shaffer escrever a peça Amadeus (1979), que inspiraria o célebre filme homônimo (1984) de Milos Forman, o pai fundador da literatura russa, Aleksandr Púchkin (1799-1837), criou a primeira elaboração estética do mito de um Salieri invejoso, que assassina o talentoso Mozart: a peça em um ato Mozart e Salieri, uma das quatro Pequenas Tragédias que ele escreveu em meio a uma quarentena (por uma epidemia de cólera), em 1825.
Púchkin é fonte constante de inspiração para compositores russos, e Aleksandr Dargomýjkski (1813-1869) colocou em música uma das Tragédias (O Convidado de Pedra), utilizando o texto de Púchkin como libreto. A ópera teve estreia póstuma, em 1872, e empolgou Nikolai Rímski-Kórsakov (1844-1908), que, em 1897, resolveu seguir-lhe o exemplo.
Ele adotou os versos de Púchkin praticamente na íntegra, sem nenhuma interpolação, fazendo apenas pequenos cortes na fala de Salieri. Nos autobiográficos Anais de Minha Vida Musical, o compositor escreve: “Sua composição foi, de fato, puramente vocal; o tecido melódico, seguindo os contornos do texto, foi composto antes de tudo; o acompanhamento, bastante complexo, veio depois, e seu primeiro esboço era completamente diferente da forma final do acompanhamento orquestral.
Fiquei satisfeito; resultou em algo novo para mim e mais próximo do estilo de Dargomýkski em O Convidado de Pedra, sendo que, contudo, a forma e o plano de modulações em Mozart não era tão casual como na ópera de Dargomýjski. Para o acompanhamento, utilizei um efetivo orquestral reduzido”.
Do ponto de vista dramático, a ópera é praticamente um monólogo de Salieri, cujo papel foi criado por um dos maiores baixos russos de todos os tempos: Fiódor Chaliápin. Na primeira audição doméstica da partitura, ele foi acompanhado, ao piano, por ninguém menos que Serguei Rachmáninov. A estreia – novamente com Chaliápin – ocorreu em novembro de 1898, no âmbito da Ópera Privada Russa de Moscou, financiada pelo mecenas Savva Mámontov, com cenografia do célebre pintor Mikhail Vrúbel (1856-1910).
Filho de um cantor de ópera, e discípulo de Rímski-Kórsakov, Ígor Stravinsky (1882-1971) compartilhava do amor de seu mestre por Púchkin. Com base em textos deste poeta, escreveu, dentre outras obras, Mavra, que estreou em 1922, na Ópera de Paris, em programa duplo, ao lado de uma de suas criações mais originais: Conto da Raposa, Galo, Gato e Carneiro – ou simplesmente Renard (Raposa), como ficou conhecida na tradução francesa do suíço C. F. Ramuz, parceiro do compositor em obras como A História do Soldado e Les Noces (As Bodas).
Em Chroniques de ma vie, sua autobiografia, Stravinsky conta que começou a trabalhar em Renard em solo suíço, justamente quando estava compondo Les Noces (que decreve um casamento camponês) – ambas as obras “tinham como fonte esta poesia popular, e boas páginas de toda essa música foi composta a partir de textos autênticos).
De passagem por Paris, ele encontrou a norte-americana Winnaretta Singer, herdeira da célebre marca de máquinas de costura, que, por casamento, tornara-se princesa Edmond de Polignac. Ela queria uma obra para encenar em seu palácio, e o compositor sugeriu Renard.
Mais tarde, em um restaurante de Genebra, Stravinsky ouviria um grupo húngaro no qual o músico húngaro Aladar Racz tocava um instrumento típico – o címbalo (cimbalom). Entusiasmado, ele não apenas adquiriu um, com incluiu-o na pequena orquestra de Renard.
No fim, a obra não foi tocada no palácio da princesa, que, contudo, deu todo seu apoio para que a primeira audição acontecesse em um espetáculo dos Ballets Russes, de Diághilev, na Ópera de Paris. A coreografia foi de Bronislawa Nijinska (irmã do célebre Vaslav Nijinsky), que dançou o papel da Raposa. Pois, nessa primeira versão, os cantores ficaram misturados à orquestra, e os papéis foram desempenhados, no palco, por bailarinos.
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